quarta-feira, 21 de março de 2012

Mesquitinhas e sandes de cavala

Está quase a fazer um ano que fui a Istambul, na companhia de 3 amigos ilustradores, para registarmos as nossas impressões sobre a cidade.
Deixámos as máquinas fotográficas em Portugal e seguimos viagem, munidos de 8 cadernos em branco e um gravador. Daí resultaram cerca de 80 desenhos, escondidos até hoje, à espera do momento certo para se apresentarem ao mundo.
Passado quase um ano, deixo aqui um dos meus desenhos e a promessa de mais em menos de um mês. O gravador também vai, e espero que desta vez os desenhos voltem acompanhados de música!
Istambul, me aguarda!


quinta-feira, 15 de março de 2012

Vaca velha, enquanto era nova*


Sou uma folha em branco.

Como tantas folhas em branco, estou perante uma pessoa que não me consegue preencher: eu própria.
Um perigo aproxima-se: o álcool. Como de tantas pessoas se aproximou, sempre. Por vezes com resultados. Tenho os lápis e o queijo na mão, mas a sanduíche não se faz sozinha. E quem é que quer uma sanduíche de lápis?...
Bom, a vida tem-se mostrado complicada, e eu tenho-me provado impossível. Vou virar escritora. De escultora com formação e ilustradora graduada, a escritora sem formação, bem como música. O academismo andou-me a chupar o cérebro para um buraco negro, querem ver?
Pensar, pensar… arranjar desculpas para a vida não funcionar. A vida funciona, é injusto dizer que não. Não há dinheiro? Não há ideias para fazer dinheiro, para arranjar a minha sobrevivência. Mas há. Não do que eu queria. Mas o que queria eu? Queria o que não tenho? Mas tenho. Então o que quero eu? Não sei. Se soubesse não estava a perguntar.
Queria ter coisas para dizer ao mundo. Acho que espero pelo dia em que tenha coisas para dizer ao mundo. Só não percebo porque as coisas para dizer ao mundo são mais importantes do que as que tenho para dizer a mim. As palavras jorram-me do cérebro quando falo com alguém, mas quando falo sozinha não funcionam. Declaro, por isso, falta de estímulo. Um pezinho de hortelã e o gajo lá ao fundo a tocar guitarra podem tratar do caso. Claro que a hortelã vem disfarçada com uma pala no olho e por isso é que funciona…
Tanta gente com facilidade em tornar merda em ouro e eu com tanta facilidade em deixar ouro tornar-se merda. Soubesse eu aproveitar esse ouro transformado, e até a merda me serviria, mas não. Tenho o dom do desperdício e a reclamação debaixo da língua, como se faz com aqueles comprimidos para o coração.
Espero que as lágrimas me tragam ideias, espero que o filho da mãe do gajo que está lá ao fundo me traga vontade. E traz, excepto quando pára. Não posso depender dele, que também partilha comigo esta maneira de estar com a desvida.
Não tenho jeito para poemas, e acho que um poema pode ser muita coisa. Rimar é chegar ao teu coração e espreme-lo. Tudo tem a ver com o coração. A cabeça não é para aqui chamada, que racionalizar não nos faz perder o medo de baratas. Posto isto, deixa-me ver corações em todo lado, que não é por isso que falo de amor.
Invejo a arte dos artistas sérios. E dos outros também, admito. Admiro a arte de se conseguir explorar dentro e fora, e de quem se consegue levantar de manhã para ser alguém, sozinho, sem patrões nem obrigações, apenas as próprias.

Não queria ser um desses artistas que não se orientam sozinhos e que precisam de um estímulo alcoólico para funcionar. Já me dizia o meu tio “ bebe um uísque e vais ver que ajuda”. Na altura tinha 14 anos e o conselho pareceu-me estúpido. Hoje, em desespero, gostava de não me agarrar a isso, mas tento. E não funciona. Se calhar porque a tentativa não foi séria o suficiente, mas eu não quero que seja. Mãe, está descansada.
Queria uma epifania como a que tive no outro dia na casa de banho quando percebi que seria a laca a salvadora do meu cabelo. Bendito sejas oh Fábio, hás-de mudar a vida do meu cabelo.
Vejo cowboys lá ao fundo e ninjas a esconderem-se em armários. Está tudo fora do sítio e eu gozo com eles de fora, mas também estou lá encolhida. Mal falo deles, desaparecem e sobro eu, sozinha, aqui no sofá com o meu pirata líquido, coberto de folhas de cheiro e cubos de gelo. Vá lá, volta a tocar, estavas-me a ajudar nisto… Mas tenho que perceber, a ajuda aqui está só numa direcção, de ti para mim. Eu não te estou a dar nada neste momento e tu precisas parar um bocadinho. Vai lá fumar o teu cigarro.
Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Era o meu cérebro, desculpa.
Está aqui um vazio que não se aguenta.
Voltemos então ao que era importante.
Falávamos de quê?
Cowboys, ninjas e piratas.
Cada um no seu sítio, mas a trabalhar em conjunto. Sempre escondidos nessa sala pequenina aí ao fundo. Não têm uma função. Pelo contrário, são resultado de uma funcionalidade. Apareceram há bocado, vamos ver quanto tempo se aguentam. Enquanto aí estiverem ( e receio que estejam para ir embora), temos texto.
Como é que um cowboy e um ninja coabitam? É a coragem? São tipos destemidos e por isso são aceitáveis no mesmo espaço de heróis? E o pirata? O que faz aí o pirata? Esse é a inspiração, eu sei…também tenho aqui um ao pé de mim.
Passou-me o pânico. Ou foi o pirata, ou a fuga dos ninjas e cowboys.

As palavras são como a voz. Vêm de dentro, como sabemos fazer, não como nos ensinaram.

Dizem-me os ninjas e os cowboys que tenho muita loucura dentro de mim e que a devia aproveitar. Concordo. Mas loucos somos todos, mesmo os que acham que não, e nem por isso o mundo está cheio de criativos. Está, isso sim, cheio de loucos! Voltamos à folha em branco e ao fio de baba, ou ao manicómio. Ou à vida normal, disfarçada de coisa que passa sem darmos por ela, e que se leva com a preocupação de pagar o prato do dia seguinte, sem mais ambições intelectuais, e sem merdas na cabeça. Porque as merdas na cabeça é que nos impedem de chegar ao dia seguinte com felicidade e porque a felicidade é coisa inatingível e querê-la é impedi-la. Neste momento, se me saísse em riscos, um terço do que me sai em palavras, eu ficava feliz. Sou uma pessoa simples e fácil, ao contrário do que dizem. Sou feliz com o cheiro das coisas, com memórias e cores, com uma comida ou uma música que me leve a algum lado. Quando me perguntam “e tu, o que queres?”, aí tudo se complica. Sei lá eu o que quero. “Quero ser feliz, porra!”, como dizia o outro. O “outro” é aquele a quem toda a gente se refere quando quer pôr as culpas em alguém, mas sem ter tomates de dar um nome. Não é este o caso. O meu outro não tem culpa de nada a não ser de ter dito uma frase simples e certeira, e que calha bem a muita gente. Eu quero ser feliz, porra!... e como raio hei-de conseguir isso, não sei.
Na sala dos cowboys, os ninjas calaram-se. Aqui ao pé de mim, os piratas falam mais alto e estão a afogar os cowboys em rum, que estão mais habituados a uísque que a outra coisa. Inevitavelmente, acabaremos todos afogados em alguma coisa a que estamos menos habituados do que ao uísque…

A técnica está solucionada e os cowboys voltaram. Mas não é a técnica que eu quero, é a arte, o subjectivo, o intelectual, o discutível. O algo maior arrogante, que não é para qualquer humano, porque eu sou diferente.
Gosto da terra, do poroso, de tocar com a mão e vir pó agarrado. Gosto do branco e do contraste de texturas. Gosto de sentir de olhos fechados, com as mãos, com o nariz. Gosto da arte para os olhos, mas prefiro as outras todas. Gosto das cores puras, isoladas. Gosto do inesperado intuitivo e sou incapaz de intuir plasticamente. Tudo o que sei, limita-me. Devia agradecer por nunca ter aprendido música? Se calhar devia. Devia começar a trabalhar com o que não conheço, se calhar devia…
Os cowboys estão na moda, eu sei. Mas oiço um ali ao fundo a dizer-me “toma toma!”, com as mãos abertas, uma de cada lado da cara, apoiadas nas bochechas com os polegares, girando em direcções opostas, freneticamente. Podia desenhar em vez de descrever, afinal, o desenho é uma linguagem! Mas não quero. Estou farta. Se é literal, então literemos. O desenho deve chegar a outro sítio. Aonde as palavras não chegam, e elas chegam aos ouvidos, aos olhos e ao coração. Os desenhos, ou a escultura e pintura, chegam onde então?

* (escrito algures no ano 2011, enquanto um filho da mãe fazia uma música)

sábado, 10 de março de 2012

Viena rima com problema

Podia falar de Paris, e da quantidade absurda de genialidade que de lá tem saído. Mas só me ocorre o Picasso, que por acaso era Espanhol.
Dei por mim a ver livros dos pintores de que mais gosto, e agarrei no Schiele. Já não me lembrava de quão óbvias eram as suas semelhanças com o Klimt. De repente lembrei-me do Mozzart, e logo a seguir do Beethoven. Desgraças atrás de desgraças, parece que o Klimt foi o único a viver um tempo razoável. De resto, entre doenças irónicas e mortes prematuras, constatei a maravilha de que se quero ter a genialidade desta gente devo fazer as malas, seguir para Viena, e estar preparada para pagar o reconhecimento com a vida! Acabar acamada, com um lápis na mão, a fazer os meus últimos e mais bem sucedidos rabiscos, enquanto a morte faz um tempinho pra me vir buscar.
Naaaa! Prefiro continuar aqui a ser só eu com os meus problemas!

quinta-feira, 1 de março de 2012

Enquanto a menina dorme

A menina chama-se Lídia. Mais correctamente, Lydia.
Consta que não é portuguesa, ou que não fala português, mas parece que os pais são de Setúbal e Lisboa. Sei que tem problemas de sono e que é um pouco agressiva quando está acordada, por isso arranjaram-lhe uma camisa de forças de fios dourados, esperando angariar fundos para a tratarem como merece.
Às vezes a Lydia sai à noite, mas os pais vão sempre com ela, obrigando-a a levar a camisa de forças. Por sorte as camisas não são permitidas dentro dos estabelecimentos que frequenta por isso deixa-a à porta, numa bancada na esperança de que alguém a leve.
Deixo-vos uma imagem da Lydia enquanto dorme (acordada é muito difícil apanhá-la quieta), e uma imagem dessa camisa de forças, para saberem se se depararem com ela. Se virem essa camisa levem-na, a Lydia agradece!